Sonhei que era um padre e que havia sido incumbido de assumir um pequeno enclave católico em uma cidade no interior. Embora todo mundo falasse português, a cidade tinha um ar de pequeno vilarejo europeu. Provavelmente na península ibérica ou na Itália. Eram ares de "pobreza rural latina" do pós-guerra.
Cheguei na cidade de trem e um narrador me conduziu até trecho de terra sob a minha jurisdição. Era um narrador mesmo. Como num filme. Ele me explicou que desde que o último padre morreu, o lugar estava praticamente abandonado. Cabia a mim reerguê-lo. Aparentemente o padre também tinha funções como líder comunitário.
Andando em direção à casa onde habitaria, encontrei com uma espécie de monge. Era um senhor cego, idoso e que andava com ajuda de um bastão. Andava na mais completa escuridão. Sendo cego, não fazia a menor diferença. O cumprimentei e segui caminho.
Chegando no lugar me deparei com o tamanho do local. Maior do que imaginava. As ruas eram estreitas e pavimentadas com pedras portuguesas muito brancas, tão brancas que quase iluminavam a pequena vila. Muitas das casas eram feitas de pedra ou técnicas muito simples de construção. Os telhados eram baixos. Todas estavam vazias e algumas em ruínas.
Chamei por um nome, não consegui distinguir qual, mas ninguém apareceu. Estava completamente deserta. Entrei em um dos imóveis, uma espécie de barracão, e comecei a explorar o local. De repente, ouvi passos. Era o funcionário da Cia. Ferroviária. Um sujeito careca e vestido com roupas formais simples.
_ Senhor, suas malas não foram localizadas. O senhor tem certeza que as trouxe? Eram só duas?
Respondi que sim. Voltei até a estação e conferi que, de fato, minhas malas não estavam mais lá.
No caminho de volta para o vilarejo, comecei a escutar barulhos estranhos enquanto andava. Não havendo iluminação e sem minha tocha, era impossível identificar do que se tratava. Cheguei até uma pequena praça e gritei:
_ Quem me segue?
Um raio caiu do céu e no clarão do relâmpago vi um vulto. Imaginei ser o monge cego.
_ Quem me segue? - gritei novamente.
Do meio da escuridão, uma de minhas malas foi lançada e caiu aos meus pés. Pelo o brilho das pedras brancas, via pernas andando de um lado para o outro, me cercando, em uma movimentação frenética.
_ Quem me segue? Identifique-se!
Uma explosão. Na minha frente, segurando uma enorme estaca coberta de pregos e arame farpado, surge uma mulher enorme. Nua. Suas pernas dobravam para trás enquanto andava, como as patas traseiras de um bode. Estava suja de sangue e berrava. Seu seio esquerdo estava todo marcado e feridas negras contrastavam com a brancura azulada de sua pele.
Correndo, abri minha mala, peguei um enorme martelo e fui em sua direção. Ela atirou sua estaca em mim. Desviei. Peguei a estaca do chão e disse algumas palavras que não consegui entender.
_ Sou toda sua - ela respondeu.
Atirou-se ao chão e, contorcendo-se com uma expressão de dor e prazer, deixou seu seio esquerdo desprotegido. Fui até ele, posicionei a estaca e comecei a martelar. A cada pancada a estaca se desfazia um pouco mais. Sua ponta ficava mais chata, a madeira rachava, expandia, mas não penetrava a pele dura da mulher. Ela ria. Divertia-se. Eu tentava, tentava, mas não conseguia feri-la.
O clarão que iluminou a rua foi desaparecendo enquanto um zumbido começou a tomar conta dos meus ouvidos. Cada vez mais escuro, já não era possível ver mais nada, só ouvir os risos da mulher e as pancadas do martelo.
Cada vez mais alto, o zumbido me acordou. Um pernilongo filho de uma puta.
Eu odeio pernilongo.